Se nunca é fácil a decisão de iniciar quimioterapia anti-neoplásica, a associação da gravidez e cancro é certamente uma situação mais complexa. O diagnóstico de uma neoplasia e a necessidade de administrar quimioterapia durante a gestação coloca desafios para a mulher, a sua família e os médicos: o maior desafio é tratar a mãe sem prejudicar a saúde e a vida do feto.
Logicamente, provocar o aborto poderia “simplificar” o problema médico, pois a paciente passaria a ser tratada segundo as normas gerais. Lamentavelmente, esta é uma decisão que com frequência é contemplada por médicos e progenitores. No entanto, o aborto é uma opção que para muitas mães é inaceitável e que, além disso, envolve sempre importantes questões éticas que devem ser esclarecidas.
De facto, a decisão de administrar quimioterapia a uma gestante com cancro complica-se pelo risco de toxicidade sobre o filho. Por outro lado, atrasar ou modificar os regimes estabelecidos de quimioterapia poderia comportar consequências negativas para o prognóstico materno.
Deve recordar-se, contudo, que de uma forma geral, são escassos os dados existentes sobre neoplasias diagnosticadas e tratadas durante a gravidez e sobre os efeitos da quimioterapia na saúde e bem-estar subsequente das crianças; e os dados que existem são limitados basicamente ao estudo de pequenas séries retrospectivas e à descrição de casos clínicos isolados. Este facto constitui um aliciante para promover uma maior investigação nesta área e, por outra parte, suscita a dúvida sobre a justificabilidade científica que leva a propor o aborto como medida integrante da abordagem terapêutica de alguns casos de cancro associado a gravidez.
Existem algumas razões que podem explicar porque é pouca a informação relativa aos efeitos da quimioterapia in utero[375]:
1. Baixa frequência de cancro diagnosticado durante a gravidez.
2. Porque as mulheres grávidas com cancro muitas vezes decidem abortar em vez de arriscar ter um filho com malformações congénitas.
3. Porque são limitados os estudos que avaliem o estado clínico e o desenvolvimento das crianças expostas a quimioterapia in utero.
4. Porque os dados mais antigos registam informação relativa a tipos, combinações ou doses de fármacos anti-neoplásicos que já não são relevantes para os protocolos de tratamento actuais das mesmas neoplasias.
5. Porque a exposição concomitante a outros fármacos ou a radioterapia dificulta a interpretação dos resultados.
6. Porque existe pouca informação relativa ao seguimento sistemático e com suficiente tempo de seguimento das crianças expostas a quimioterapia in utero.
7. Porque a relativa gravidade da associação de cancro e gravidez descarta a possibilidade de conduzir grandes estudos prospectivos que avaliem a segurança das diferentes drogas quimioterápicas.
Apesar destas limitações, na medida do possível, a mulher grávida com cancro deve ser informada da evidência, ou da inexistência de dados suficientes, relativa às consequências a curto e a longo prazo da exposição a quimioterapia in utero.
Nos seguintes apartados apresentam-se os dados que estão actualmente disponíveis na literatura médica científica internacional acerca da utilização de quimioterapia na gravidez.
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[375] Cfr. A. H. Partridge, J. E. Garber, Long-term outcomes of children exposed to antineoplastic agents in utero, «Semin Oncol» 27 (2000), pp. 712-726; A. Surbone, F. Peccatori, N. Pavlidis (eds.), Cancer and Pregnancy, o.c., p. 21.
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